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Formiga

por Flora Miguel
Foto de Leopoldo Cavalcante para ilustrar o poema "Formiga", de Flora Miguel.

Flora Miguel é jornalista, trabalhadora da cultura, poeta. Tem textos esparramados por veículos literários no Brasil, Portugal e México. Assina a canção “Pela Cidade” em parceria com o duo A Transe. Seu livro de estreia, “tempo sem cruz”, é um lançamento da Editora Primata.


formiga 

estender a canga
intervir 
no trajeto das formigas 

por entre as dobras
de chita
travar batalha  
minimalista

A estudante de Pós-Doutorado em Entomologia do Instituto Na cional de Pesquisa da Biodiversidade Florestal, Luana C., foi res ponsável por um estudo inédito que monitora o impacto de uma  fábrica têxtil de larga escala na fauna das formigas

desde a infância Luana C.  
foi extremamente sensível 

fazia dança aeróbica e clássica,  
brincava sempre de teatro 
– atriz é porvir 
desenhava histórias sobre  
seres fantásticos 
em pequenos recortes  
de papel furta-cor 

a cada ocasião considerada especial
compunha música própria 
letra e melodia 
e se fazia um dia de sol e calor
coreografava a criação 

costumava dizer que seria cientista
mesmo com a desenvoltura para as artes
em pura combustão 

passava horas observando as galinhas
do quintal 
conversava piu, piu, piá 
no balanço de pneu 
pendurado em enorme tronco de árvore 

anotava suas considerações 
num grande caderno de folhas mistas tons
de terra e céu 
e encadernação feita pela mãe  
com maquinário próprio 
instalado na lavanderia da família

das formigas, 
ao interagir forçosamente 
mas ainda com o notório embaraço,
admirava a elegância: 
folha que é escudo!  
graveto que é lança!

Luana C. morreu  
já tem sete anos  
o rim perfurado 
pela bala do milico  
policializado 

morreu e eu a procuro  
procuro e a reinvento 
que a atriz merece o melhor
papel 
tons de terra e céu  
pneu nunca de moto 
parada em nenhuma autopista
prêmio Nobel: 
melhor cientista

a gente sem escudo  
nem lança 

sem cortina sem regente 

o furo agudo estridente
no canto da nossa barriga 

a polícia mata a gente
como a gente amassa formiga

boas-vindas 

primeiro o susto  
primeiro desterro 
primeiro um tom inaudível
um raio espesso 
dentes em festa se chocando
primeiro

na dúvida não me peça nada 

o sol entra na vegetação 
só um pinheiro acima e logo  
toda a vegetação acima dele 

talvez ainda brilhe um pouco entre  
as folhas menos robustas 
e lá vamos nós de novo dizer o incorrigível 
me amar não é sua (melhor) resposta  
to love me is not your (right) answer 
ou como me disse a cigana eres su propio templo con una voz Mercedes
Sosa y lentes cintilantes en los ojos

é aí que me perco, árvores olhos Mercedes Sosa tão poucos ossos  no peito meu peito é um quadro de giz 
com o desenho torto de um rio por onde nadam  
cardumes extremamente lentos 
preguiçosas criaturas que buscam ganhar a vida sem dê érre hora
marcada livros emprestados e jamais devolvidos 
vagando pelo percurso entre a memória ruína e o próximo carnaval
enquanto meus rins escaldantes esquentam as suas espinhas
por puro prazer 

o sol se perde na mata bem no meio da cidade  
igual às crianças em parques de diversão que de  
tanta euforia 
somem dos pais 

no clube que já vai fechar e por isso o salva-vidas grita ACABOU e
você finge que não entende
porque é conveniente esquecer o português  
você me admira
você me venera 
você me quer assim bem chá inglês  & outras post lembranças

contrapartida 

rajadas de ideias pixeladas
notícias terrivelmente sérias

hoje vamos apenas  
ver o sol escorregar


Foto de Leopoldo Cavalcante.

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